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Direitos Civis e Seres Humanos Egoístas, ainda sobre “A questão judaica”.

Resumo

Imagem ilustrativa: Uma ilustração francesa de 1806 mostra Napoleão Bonaparte emancipando os judeus.

No livro “A questão judaica”, Marx procura, dentre outras questões, criticar: (a) a noção de direitos civis (humanos) como separada do indivíduo que vive na sociedade; (b) a emancipação puramente política, que transforma a vida política em um simples meio a serviço da vida na sociedade civil, transformando o Estado político em uma esfera celestial ou imaginária; e (c) a própria sociedade civil enquanto esfera do egoísmo, de um mundo de indivíduos isolados (atomizados), com interesses particulares.

Imagem ilustrativa. Judeus e o movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA.

O post da semana sobre “A questão judaica” chamado A Questão Judaica, a Emancipação Humana, a Bancada Evangélica e a Disputa do Poder Político fez o seguinte comentário em aberto: “existem outras questões derivadas do objeto emancipação política versus emancipação  humana. Ainda nessa semana escrevo a respeito”. Então, vamos lá?
Lembrando: o livro “A questão judaica” ratifica a crítica marxista da separação sociedade civil versus Estado, que é encontrado no livro “Crítica da filosofia do direito de Hegel”, que Marx nos diz – “a sociedade civil, por sua separação da sociedade política, se tornará outra” (1).
Isso significa que a atividade profissional se separou do Estado ou da atividade política, e que essa separação do sistema econômico e do estado é a característica primeira do Estado moderno. Em suma, o sistema econômico, o sistema das atividades profissionais, está distante (alienado) da política.
E mais: a crítica da política foi utilizada por Marx à crítica religiosa, seja porque no caso da “A questão judaica” ele poderia fazer contraponto ao Bruno Bauer e tratar da questão que na época estava “bombando”, a saber, os direitos civis dos judeus negados pelo Estado prussiano.
Ou seja, pela comparação, Marx estabeleceu um paralelo entre o lado ilusório, alienado, das representações religiosas e o caráter aéreo, abstrato, etéreo da vida política do cidadão. Nas palavras dele: “a vida política do cidadão é a região etérea da vida civil” (1), é uma falsa aparência em que o ser humano real adquire a ilusão de uma participação na coletividade, participação esta que ele não exerce na vida real, que é a vida econômica. Temos a distinção da emancipação política da emancipação humana.
É assim que o livro joga para um segundo plano o tema da emancipação política, defendendo em primeiro plano a emancipação humana. Então, os direitos civis (humanos) não são importantes?
Penso que Marx apenas quer colocar, ou reconhecer, o devido grau de importância dos direitos civis/humanos (emancipação política), isto é, creio que Marx considerava um avanço social a conquista dos direitos civis pelos judeus. Mas para ele a questão era outra: a luta pelos direitos civis é importante e necessária, mas não suficiente para resolver a estrutural alienação humana. Logo, a noção de direitos civis não é desprezada por Marx, mas ele repudia a noção inerente dos chamados “direitos civis” que trazem a particularidade dos seres humanos, o ser egoísta, atomizado, centrado em si mesmo em plenitude do individualismo.
A necessidade da emancipação humana esbarra na existência do Estado político enquanto órgão ainda visto como separado da sociedade civil. Esse Estado continua sendo uma esfera celestial, que posteriormente no “Marx maduro” será a representação de uma classe.
Também será nessa “fase do Marx maduro” que ele apontará para a revolução, que passa pela expulsão de uma classe possuidora e sua substituição por outra. A classe que irá fazer isso é a classe trabalhadora. E trabalhador não significará mais ser membro de uma classe particular (na sociedade civil e cidadão no Estado – esfera política), mas simplesmente todos os seres humanos que contribuem para produzir e manter vida social. O agir na esfera da produção é igual ao agir na esfera política, afinal “a associação enquanto tal é ela mesma o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim, e a destinação dos indivíduos é de levar uma vida coletiva” (citando Hegel -1).





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Texto de referência:
MARX. Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Boitempo editorial, 2005.
Texto: Colaborador do site: Sociedade, Poder e Direito na Contramão  
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