Em uma sociedade que tem por regra a desigualdade, o acesso aos bens
materiais e culturais reflete muito mais a falta de oportunidades do que a
incapacidade.
DAR O PEIXE OU ENSINAR A PESCAR?
Vulgarizado ditado popular “se deve ensinar a pescar e não dá o peixe” vem na ponta da língua.
Todavia, eles esquecem:
Em primeiro lugar, que “o peixe” nunca é dado. Não se trata de meramente mudar de mãos ou transportar uma riqueza (ainda que seja a riqueza cultural) de um lado para outro. Não se trata do governo, em mero voluntarismo, ter a vontade de retirar de quem tem mais para passar a quem tem menos. Não existe distribuição de renda (ou de riqueza cultural), pois tal parte do pressuposto que a renda/cultura está disponível, e tudo pode ser apropriado a “A”, “B” ou Grupo “C”, basta garantir acesso à riqueza cultural... Ledo engano! A renda e os bens culturais estão apropriados, daí que o correto é falar em redistribuição, que caracteriza a existência de um conflito social.
Em primeiro lugar, que “o peixe” nunca é dado. Não se trata de meramente mudar de mãos ou transportar uma riqueza (ainda que seja a riqueza cultural) de um lado para outro. Não se trata do governo, em mero voluntarismo, ter a vontade de retirar de quem tem mais para passar a quem tem menos. Não existe distribuição de renda (ou de riqueza cultural), pois tal parte do pressuposto que a renda/cultura está disponível, e tudo pode ser apropriado a “A”, “B” ou Grupo “C”, basta garantir acesso à riqueza cultural... Ledo engano! A renda e os bens culturais estão apropriados, daí que o correto é falar em redistribuição, que caracteriza a existência de um conflito social.
Em segundo lugar, que quando tomamos a iniciativa
de redistribuir renda e riqueza cultural, o nosso ponto de partida já não é o
“marco inicial”. Já temos uma história, já existe um caminho anteriormente
percorrido. É aqui que entra a questão sobre igualdade de oportunidades e as
políticas afirmativas (algumas vezes conhecida por uma de suas espécies, as
cotas).
Em terceiro lugar, que se envolveram em um círculo
vicioso, pois retomam o argumento que faz desaparecer as variáveis sociais como
origem, posição social, econômica e poder político. Retornam a meritocracia.
Sem dúvida que há acerto na meritocracia quando ela rejeita o conjunto de
valores que formam privilégios hereditários e corporativos e, ao contrário,
avalia e valoriza independentemente da trajetória familiar e biografia social.
Todavia, a meritocracia refere-se a uma das mais importantes ideologias
modernas, uma vez que é o principal critério de hierarquização social.
Explica-se:
Explica-se:
Ao se defender a proeminência dos melhores, a meritocracia constitui um
paradoxo, que muitas vezes a transforma do tradicional remédio contra os
privilégios e discriminação em critério de discriminação social. É que nos dias
atuais, de modo geral, ela está associada quase que exclusivamente a uma
aristocracia de talento, de intelecto, composta de acadêmicos, produtores de
conhecimento, elites gerenciais, profissionais liberais etc. Ou seja,
meritocracia e aristocracia, de princípio, são elementos antagônicos.
E mais, estamos diante de uma repaginada do pensamento platônico, que como se sabe, não é lá muito democrático (para o próprio conceito de democracia da Grécia clássica).
E mais, estamos diante de uma repaginada do pensamento platônico, que como se sabe, não é lá muito democrático (para o próprio conceito de democracia da Grécia clássica).
Lógico que não se trata de uma mera colagem do pensamento platônico aos
dias atuais. É pior! Se a meritocracia é uma conquista do indivíduo moderno
desde a revolução francesa (para termos um marco inicial), a sua versão
contemporânea é entubada com a visão de mundo thatcheriana e reaganiana de
combate ao Estado providência e a atribuição de responsabilidade coletiva pelos
destinos dos menos favorecidos, ao enfatizarem que “o mundo não deve nada a
ninguém” e que cada um deve receber na devida proporção de seu próprio esforço
e capacidade. Isto é, pura ideologia para reafirmar o desempenho como único
critério legítimo de ordenação da sociedade.
O discurso pôs sobre os ombros dos indivíduos a responsabilidade
exclusiva pelos resultados de suas vidas, ignorando quaisquer outras variáveis,
independentemente do contexto.
Considere aqui que o pressuposto dessa ideologia é que as capacidades são distribuídas aleatoriamente entre os membros da sociedade. Não existe obra humana que, previamente, estabeleça, limite, condicione, amplie ou impeça tais distribuições. Assim, uma vez dada as capacidades e talentos, o indivíduo é responsável pelo seu ”sucesso” ou “fracasso”. Ocorre que as sociedade hierárquicas e tradicionais sempre reconheceram “a distribuição aleatória das capacidades”, sem que isso conduzisse a uma concepção igualitária de sociedade.
Considere aqui que o pressuposto dessa ideologia é que as capacidades são distribuídas aleatoriamente entre os membros da sociedade. Não existe obra humana que, previamente, estabeleça, limite, condicione, amplie ou impeça tais distribuições. Assim, uma vez dada as capacidades e talentos, o indivíduo é responsável pelo seu ”sucesso” ou “fracasso”. Ocorre que as sociedade hierárquicas e tradicionais sempre reconheceram “a distribuição aleatória das capacidades”, sem que isso conduzisse a uma concepção igualitária de sociedade.
Isto faz lembrar Antônio Cândido “que, envolvendo o problema da
desigualdade social e econômica, está o problema da intercomunicação dos
níveis culturais. Nas sociedades que procuram estabelecer regimes
igualitários, o pressuposto é que todos devem ter a possibilidade de passar dos
níveis populares para os níveis eruditos como conseqüência normal da
transformação de estrutura, prevendo-se a elevação sensível da capacidade de
cada um graças à aquisição cada vez maior de conhecimentos e experiências. Nas
sociedades que mantêm a desigualdade como norma, e é o caso da nossa, podem
ocorrer movimentos e medidas, de caráter público ou privado, para diminuir o
abismo entre os níveis e fazer chegar ao povo os produtos eruditos. Mas,
repito, tanto num caso quanto no outro está implícita como questão maior a
correlação dos níveis. E aí a experiência mostra que o principal obstáculo
pode ser a falta de oportunidade, não a incapacidade” (1).

#DICA
LEITURA COMPLEMENTAR: O Faz de Contas da Meritocracia- Este livro em quadrinho ilustra de forma bem didática o conceito de Meritocracia. Clique aqui para acessar e/ou fazer o download.
___________
Texto: colaborador do blog um quê de Marx: Sociedade, Poder e Direito na Contramão
Referência: (1) CANDIDO, Antônio. "Direitos humanos e literatura". In
FESTER, Antônio Carlos R. (org.) Direitos humanos e... São Paulo,
Brasiliense/Comissão Justiça e Paz de S. Paulo, 1989. p. 123-124.